RIO XXI - VERTENTES CONTEMPORÂNEAS – POR Paulo Herkenhoff

Felipe Cama • Avenida de Palmeiras Imperiais – Rua Paissandu • 2010/2015 Impressão em metacrilato e em papel algodão • Dimensões variáveis

Rio, histórias de jardins e paisagens

O Rio de Janeiro guarda uma extraordinária capacidade de inventar seus símbolos e de exercer múltiplos fascínios sobre seus visitantes. É a cidade brasileira com a mais densa história de jardins, desde os primórdios da colonização à criação dos artistas no século XXI. Os mais antigos jardins remanescentes são hortos monasteriais, como os do convento franciscano de Santo Antônio, do mosteiro de São Bento e do convento de Santa Tereza das Clarissas, todos constituídos segundo as regras de suas ordens. Na Grammaire des Arts du Dessin: Architecture, Sculpture, Peinture, Charles Blanc diz que nas abadias se plantavam legumes, flores, árvores frutíferas e plantas raras, mas os beneditinos, uma das ordens mais austeras, “tinha terraços, passeios, tabuleiros e platibandas; a composição de seus jardins era simples e regular como sua vida.”1 Outros marcos históricos são o Passeio Público do Mestre Valentim e, desde o século XIX, o Jardim Botânico, com sua aleia de palmeiras, em disciplina arquitetônica neoclássica. Blanc agrega que o objetivo dos jardins é introduzir ordem nas livres criações da natureza.2 O esplendor da Mata Atlântica foi interpretado pelo Conde de Clarac ou descrita por Auguste de Saint-Hilaire. A Floresta da Tijuca foi reduzida a carvão e devastada pela expansão do café até ser reflorestada por Dom Pedro II em meados do século XIX. No Parque Lage ainda se guardam vestígios da floresta original. Em seguida, o traçado romântico das sinuosidades, o mobiliário naturalista, fantasias bucólicas de François Marie Glaziou, o arborista imperial, que deixa seu desenho na Quinta da Boa Vista e nas reformas do Passeio Público e do Campo de Santana. Nada há de equivalente no Brasil. (…)

Felipe Cama é um narrador visual por grupos de imagens sob um foco formal ou temático, reunindo até 30 figuras. Em Avenida das Palmeiras Imperiais (Rua Paissandu) ele recorre a impressões fotográficas de representações da rua que em tempos faltosos do Império levava da praia do Flamengo ao pórtico do palácio da Guanabara, residência da Princesa Isabel. As palmeiras foram plantadas por ordem de D. Pedro II e a rua foi nomeada em memória da tomada da cidade de Paysandú pelas tropas brasileiras na Guerra da Tríplice Aliança naquele ano. A obra embaralha tempos sociais e fases de crescimento das plantas. Cama propõe uma visão gestáltica do conjunto de nove cenas em dimensões variáveis da aleia da espécie Roystonea oleracea, percebida como grupo de mais do mesmo, como uma repetição movida por pequenas diferenças, para depois reclamar a atenção para a minúcia em estudo do fenômeno da visão e de suas errâncias de leituras.

Publicado originalmente em Rio XXI - Vertentes Contemporâneas (2019). Org. Paulo Herkenhoff. Publicado por FGV, Brasil