After Post – por Silvia Barreto
Vivemos em um tempo em que boa parte de nossa experiência diária é mediada por imagens técnicas. Em frente ao monitor do computador ou da tela da tv, estamos a todo momento expostos a informações variadas que tentam capturar nossa atenção, no mais das vezes com objetivos mercadológicos. Um tempo em que experimentamos também, nas relações entre as pessoas, usos cada vez mais freqüentes de novas tecnologias de comunicação, que permitem a troca e a interação através de máquinas, sem que haja a vivência do encontro presencial entre os interlocutores.
Ante a profusão de imagens incessantemente geradas e postas em circulação, a escolha de Felipe Cama por apropriar-se do que já está disponível na rede, e em criar a partir da observação dos modos como ocorre a produção, distribuição e consumo de imagens digitais, tem resultado em obras que oscilam ambiguamente entre a critica e a aderência aos códigos éticos e estéticos aos quais se referem.
Na série exposta na Galeria Baobá, o artista entremea registros fotográficos das pinturas de Frans Post retratando paisagens de Pernambuco e da Paraíba, encontrados por meio de ferramentas de busca na internet, a fotografias amadoras das mesmas localidades, disponibilizadas em sites de compartilhamento de fotos.
O pintor holandês Frans Post esteve no Brasil entre 1637 e 1642 durante o período de dominação holandesa no Nordeste. A despeito da gênese distinta, as suas pinturas, quando convertidas em arquivos digitais para difusão rápida na rede, se tornam disponíveis para o consumo, podendo ser reproduzidas e redirecionadas de imediato, da mesma maneira que as imagens que foram originalmente constituídas por um código binário. Não se distinguem, portanto, das prosaicas fotografias captadas em tempos atuais e são igualmente consumidas como substitutos da experiência genuína de estar frente a uma pintura ou admirar uma bela paisagem.
A partir dessa mesma natureza digital, cada dupla de imagens sofre a intervenção do artista, que visa chamar a atenção para a característica de serem informação decodificada. Uma vez que as imagens encontradas por Felipe Cama já têm a resolução comprometida para adaptar-se ao fluxo das vias de trânsito informacional, a adulteração assume esta característica, e a amplifica. O artista manipula a imagem de modo a fazer referência aos pixels, e a malha ortogonal sobreposta acentua o efeito simulado do que de pronto reconhecemos como o aspecto das imagens sintetizadas. Dessa forma pôde fazer a aproximação pictórica entre as pinturas de Post e os registros fotográficos atuais.
Se a contiguidade dessas imagens remete a transformações reais ocorridas, uma vez que paragens rurais e os primeiros desenhos das vilas em formação deram lugar, após quase quatro séculos, a construções urbanas que ocultam ou transformam a linha do horizonte, ela também alude ao que permanece. O fascínio pela simples contemplação da paisagem, desde uma perspectiva que possibilite ao olhar alcançar o distante, assim como o interesse por relatos de viagem e pelas experiências genuínas de conhecer lugares diferentes talvez ainda perdurem como práticas às quais atribuímos valor.
O artista não esteve presencialmente nas localidades referidas em suas obras. Empenhou-se em reconhecer a topografia das paisagens, retratadas por Post, nas fotos dos viajantes de hoje buscadas na internet, e de fato se familiarizou com elas.
Curiosamente, o artifício da impressão lenticular confere às obras da série After Post um aspecto que, para ser percebido, demanda a presença do observador frente a obra. Neste tipo de impressão, filetes verticais de cada imagem são interpostos, e recebem uma lente plástica cujo efeito é tal que vemos uma ou outra imagem à medida que nos movemos ante a obra, recuperando a dimensão irredutível da experiência da fruição in loco que a arte demanda.
Publicado originalmente na exposição “After Post”, na Galeria Baoba, Fundação Joaquim Nabuco, Recife, em Novembro de 2010