FELIPE CAMA – Por VICTOR STIRNIMANN
De onde vem o poder comunicativo de toda linguagem? Qual a relação entre poder e comunicação? Toda forma de comunicação contém um componente ilusório, porque é sempre também uma forma de truque, de magia, de propaganda. A ilusão aí não é um mal necessário, nem um obstáculo a ser contornado. Ela simplesmente está lá. E é justo nesta ilusão que reside a possibilidade da linguagem. O meio (seja a fotografia, a pintura, o vídeo, a publicidade) gera a mensagem, mas apenas porque representa uma possibilidade técnica de engano, engano que gera um produto estimulante de acordo com as leis da fenomenologia de nossa percepção.
Por exemplo, de que maneira as fotografias eróticas que diariamente entopem nossas caixas-postais digitais são produzidas, distribuídas e consumidas? Em nenhuma etapa deste ciclo estas imagens chegam a se materializar, a não ser na forma de impulsos elétricos. Uma fotografia que nunca foi ou virá a ser fotografia. Uma fotografia que nunca se materializa fisicamente. São como estudos de nus da era digital, reduzidos à sua condição mais simples, equivalente ao grão de prata no papel fotográfico: seu próprio código binário.
Caminho inverso faz o nu da pintura, ao circular pela net na forma de imagens jpgs digitalizadas em sites e newsletters de museus, galerias e leilões. Sai da materialidade física original da tela e da tinta para tornar-se pura informação digital. E nesse formato, reduzidos também a pixels, igualmente achatados na forma de códigos binários e despidos da aura da obra de arte, esses óleos clássicos da história da arte se confundem com aquelas prosaicas fotos pornográficas.
Ao comparar as diferentes maneiras que uma mesma obra de Van Gogh é representada em diferentes, livros, agendas, postais, calendários e posters, Cama investiga as relações entre significado e significante. A mesma pintura, representada em diferentes publicações, aparece em diferentes formatos, texturas, matizes, cortes. Qual delas é a real, ou melhor, qual delas se assemelha mais com a real? A quem vê as imagens só resta escolher a sua verdade, dentre as opções apresentadas. Do mesmo modo que escolhemos ler as notícias diárias em um jornal ou não em outro, ou escolher uma religião em detrimento de outra. Não há como escapar: nossa opção sempre será por uma versão, por uma verdade necessariamente mediada, uma entre outras. Sempre esta "verdade" terá referência em outra, e esta em outra, e assim sucessivamente. O meio molda a maneira como percebemos as coisas e consequentemente como formamos nossa opinião sobre elas.
E como não perceber o viés da linguagem se, ao fotografar à maneira publicitária objetos de luxo falsificados, estas fotos exercerem o mesmo fascínio e atração dos produtos originais? Como valorar então o objeto falsificado e seu original? O valor lhe é atribuído neste caso pela imagem, pela linguagem da fotografia. E daí surgem outras questões, como o valor de mercado da obra versus o seu valor estético. Como afinal se precifica uma obra?
O trabalho de Felipe Cama se alimenta então do contraste e do vazio entre linguagens/perspectivas distintas, mas sempre justapostas: entre o binarismo e o erotismo, entre a poluição visual e o silêncio, entre a ética política e a dissolução do tempo, entre o consumismo e a veneração. Todas unidas pelo mesmo segredo que também as separa: o fato de que o olhar humano sempre enxerga a mais ou a menos, em função do que previamente decide enxergar.
Victor Stirniman (filósofo e psicoterapeuta), 2004